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terça-feira, 29 de abril de 2008

Machado de Assis e o jogo de Xadrez


Extraído de texto homônimo publicado em
Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, vol. 13, 1952.

"Meu bom xadrez, meu querido xadrez..." "Tudo pode ser, contanto que me salvem o xadrez." Machado de Assis. A Semana. 12/1/1896 Vol. 3, pag. 84.

"... diria à bela Miranda que jogasse comigo o xadrez, um jogo delicioso, por Deus!" Machado de Assis. A Semana. 25/2/1894 Vol. 2, pag. 30.

"Enfim, uma era nova parecia surgir para o xadrez nacional, quase moribundo, após os dias brilhantes de Caldas Vianna, Artur Napoleão, Machado de Assis e outros." Eurico Penteado. Xadrez Elementar. São Paulo,

1927.

Machado de Assis foi um apaixonado do jogo de xadrez. Seu interesse por este divertimento levou-o a ocupar posição destacada nos círculos enxadrísticos do tempo do Império. Mantinha correspondência com as seções especializadas dos periódicos da época; compunha problemas e enigmas, e, indo mais além, participou do primeiro torneio de xadrez efetuado no Brasil.
É provável que sua iniciação no jogo tenha sido fruto da influência de Artur Napoleão, o grande pianista português, que enfrentara em Nova York, aos dezesseis anos de idade, em partida de exibição, o famoso campeão do mundo, Paul Charles Morphy. O virtuose luso radicara-se no Rio de Janeiro, e, de volta de uma de suas viagens à Europa, acompanhara ao Brasil Carolina Xavier de Novais, futura esposa de Machado, de cujo casamento viria a ser uma das testemunhas.

Coincide, de fato, essa fase enxadrística do romancista com a presença do grande pianista na Corte. O primeiro torneio de xadrez, realizado em 1880, com a participação dos seis mais destacados amadores residentes no Rio, teve como local da disputa a residência de Artur Napoleão, na Rua Marquês de Abrantes.

Em 1868 já freqüentava Machado de Assis o Clube Fluminense, com a finalidade de jogar xadrez, conforme confessa em uma de suas crônicas reunidas na coleção de A Semana. Anos mais tarde praticava no Grêmio de Xadrez, que funcionava em cima do Clube Politécnico, na rua da Constituição, nº 47. Nesse salão realizou-se o match contra Artur Napoleão, que lhe deu partido do cavalo da dama e, ainda assim, venceu a disputa por 7 a 2.

O interesse de Machado de Assis pelo jogo prolongou-se por muitos anos, conforme revelação constante da correspondência com Joaquim Nabuco que, em 1883, lhe enviava de Londres retalhos de jornais com transcrições de partidas, atendendo ao pedido que lhe fora feito.

Em 4 de janeiro de 1882 fundava-se no Rio o Clube Beethoven. Sanches de Frias, em sua biografia de Artur Napoleão, declara, erradamente, que se tratava de clube de jogo, mascarado sob a proteção do nome do compositor alemão.

Examinando alguns documentos do Clube, existentes na Biblioteca Nacional, chegamos à conclusão de que se trata de exagero do biógrafo. Na verdade, a seção de xadrez não foi instalada de início. Na descrição do Clube, constante do Almanaque Laemmert de 1884, não há citação de dependências especiais para a prática daquele jogo; nos anos seguintes é que se indica a existência de uma "sala de jogos de xadrez". A lista publicada dos sócios fundadores, bem como a de sua primeira diretoria, não inclui os enxadristas conhecidos na época, que só ingressaram meses depois, quando foram admitidos Artur Napoleão, Caldas Vianna, Charles

Pradez, Machado de Assis e outros. É possível que, daí por diante, tenham desenvolvido a seção de jogos. O próprio romancista, que passou a exercer na diretoria funções de bibliotecário, ao descrever o Clube Beethoven não mencionou a palavra "xadrez". Esse Clube (Beethoven) era uma sociedade restrita, que fazia os seus saraus íntimos em uma casa do Catete, nada se sabendo cá fora senão o raro que os jornais noticiavam.

Pouco a pouco se foi desenvolvendo, até que um dia mudou de sede, e foi para a Glória. Aquilo que hoje se chama profanamente "Pensão Beethoven", era a casa do Clube. O salão do fundo, tão vasto como o da frente, servia aos concertos, e enchia-se de uma porção de homens de vária nação, vária língua, vário emprego, para ouvir as peças do grande mestre que dava nome ao Clube, e as de tantos outros, que formam com ele a galeria da arte clássica.

"O nome do Clube cresceu, entrou pelos ouvidos do público; este, naturalmente curioso, quis saber o que se passava lá dentro. Mas, não havendo público sem senhoras, e não podendo as senhoras penetrar naquele templo, que o não permitiam as disciplinas deste, resolveu o Clube dar alguns concertos especiais no Cassino.

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"Mas tudo acaba, e o Clube Beethoven, como outras instituições idênticas, acabou. A decadência e a dissolução puseram termo aos longos dias de delícias".

Machado de Assis. A Semana. Vol. 3, 5 de julho de1896.

Nos torneios efetuados pelo Clube, a partir de 1882, não há referências à sua participação. Teria começado a declinar o seu entusiasmo pelo xadrez? As referências ao jogo, colhidas em suas obras, vão rareando desse ano para a frente. No Clube dos Diários, onde se jogava muito, não consta a participação de Machado de Assis, ao contrário de Caldas Vianna e de Artur Napoleão, cujos nomes constam da relação de associados.

A qualidade do jogo de Machado, examinada através do estudo de suas partidas, e a facilidade com que solucionava os problemas publicados na imprensa dão-nos uma idéia lisonjeira de sua força como jogador.

Enfrentando o mestre Artur Napoleão, ainda que levando partido do cavalo da dama, conseguiu ganhar-lhe duas partidas do match. O pianista português era aficionado fortíssimo. Dividiu, durante muito tempo, com João Caldas Vianna, filho do Visconde de Pirapetinga, o reinado do xadrez entre nós. Publicou, em 1898, uma coleção de problemas, seus e de outros, sob o título de Caissana Brasileira, redigiu várias seções especializadas em revistas e no Jornal do Commercio e possuía uma fabulosa biblioteca de livros técnicos, em vários idiomas, incluindo obras raríssimas hoje disputadas a peso de ouro. Para ajudar as pesquisas dos amadores publicou, em anexo ao seu livro, o catálogo minucioso dessa coleção. Já idoso, continuava a compor problemas, muitos dos quais podem ser apreciados em várias edições do Almanaque Garnier. O Traité Manuel des Échecs, de Henri Delaire, em sua edição de 1930, ainda transcreve uma de suas melhores composições.

Outro grande enxadrista que Machado de Assis enfrentou, de igual para igual, foi João Caldas Vianna. Este pode ser considerado o maior jogador surgido no Brasil até 1930. Uma partida sua, contra A. Silvestre, jogada no Clube dos Diários, figura obrigatoriamente nos mais importantes tratados de xadrez publicados em todo o mundo. Até hoje é conhecida e praticada a "Defesa Rio de Janeiro", de sua invenção, na "Partida Espanhola"

(Rui Lopez), variante favorita de Emmanuel Lasker, campeão mundial durante 27 anos seguidos.

Vê-se que Machado de Assis, no que toca aos parceiros, estava em boa companhia. A primeira parte de nossa pesquisa estendeu-se aos jornais e revistas em que figura o nome de Machado de Assis como enxadrista.

Cronologicamente, começamos pela Ilustração Brasileira – ponto de partida de nossas informações. A seção especializada, redigida por Artur Napoleão, surgiu no nº 15, de 1 de fevereiro de 1877, e a primeira citação do nome de Machado vem no nº 16, de 15 do mesmo mês. Em abril de 1878 deixou de sair a Ilustração Brasileira.

Artur Napoleão, associado a Leopoldo Miguez, também grande amador do xadrez, passa a editar, em 1879, a Revista Musical e de Belas-Artes. Cedendo ao impulso natural de sua paixão pelo jogo redige, a partir do nº 18, de 3 de maio de 1879, a seção competente, na qual Machado de Assis voltará a ser citado desde o nº 36, de 6 de setembro de 1879, em diante.

Com o desaparecimento dessa revista, em 1880, decorreram alguns anos sem menção de noticiário especializado regular na imprensa carioca. Em 1886, o Jornal do Commercio começou a publicar, aos domingos, uma coluna sob a responsabilidade do obstinado Artur Napoleão. Não conseguimos, infelizmente, obter qualquer referência às atividades enxadrísticas de Machado de Assis nessa fase. Num retrospecto dos torneios de xadrez, publicado pelo referido jornal em sua edição de 3 de janeiro de 1886, não há menção à participação de Machado entre os disputantes. Os solucionistas dos problemas são, via de regra, os mesmos que enviavam correspondência para as seções da Ilustração Brasileira e da Revista Musical e de Belas-Artes; estranhamente, não figura entre eles o nome de Machado de Assis. Estaria desinteressado pelo jogo nessa ocasião, ou seu nome viria disfarçado sob algum pseudônimo, dos vários remetidos semanalmente para o jornal?

De 1892 a 1896 saíram as crônicas de A Semana e, em 1898, Artur Napoleão publicou a Caissana Brasileira, onde se encontra, sob o nº 17, na página 11, um problema de autoria de Machado de Assis, que já havia figurado na Ilustração Brasileira de 15 de junho de 1877.

Esta constitui, cronologicamente, a última referência enxadrística que encontramos sobre o romancista, publicada quando este ainda era vivo.

Na segunda parte transcrevemos as passagens dos escritos de Machado de Assis com referências expressas ao jogo de xadrez. Data, a primeira, de 1864, o que vem corroborar a suposição de que Artur Napoleão tenha sido o professor do romancista, e a última, de 1896. Colhemos os dados em todas as suas obras, inclusive nos volumes publicados ultimamente por R. Magalhães Júnior, e numa parte da correspondência publicada. Ainda que não se possa chamar de abundante o material colhido, nota-se, contudo, um apreciável halo de simpatia pelo jogo e seus praticantes.


I

DOCUMENTAÇÃO SOBRE O JOGADOR E O PROBLEMISTA

Ilustração Brasileira. Ed. C. e H. Fleiuss, no I, 1 de julho de 1876.

A seção de xadrez – primeira publicada no Brasil – sob a responsabilidade de Artur Napoleão, teve início no nº 15, de 1 de fevereiro de 1877. Os números em que aparece o nome de Machado de Assis são os seguintes:

Nº 16 – de 15/2/1877, nº 17 – de 1/3/1877, nº 18 – de 15/3/1877, nº 19 – de 1/4/1877, nº 21 – de 1/5/1877, nº 22 – de 15/5/1877, nº 24 – de 15/6/1877, nº 25, de 1/7/1877, nº 28 – de 15/8/1877, nº 29 – de 1/9/1877, nº 30 – de 15/9/1877, nº 37 – de 1/1/1878,nº 40 – de 1/4/1878.

Revista Musical e de Belas-Artes
Ed. Artur Napoleão e Miguez
A seção de xadrez – de autoria de Artur Napoleão – começou a publicar-se em seu no 18, de 3/5/1879. Machado de Assis é citado a partir do nº 36.
Nº 36 – de 6/9/1879, nº 37 – de 13/9/1879, nº 40 – de 4/10/1879, nº 41 – de 11/10/1879, nº 43 – de 25/10/1879, nº 44 – de 1/11/1879, nº 45 – de 8/11/1879, nº 2 – de 17/1/1880, nº 3 – de 31/1/1880, nº 4 – de 14/2/1880, nº 6 – de 13/3/1880, nº 7 – de 27/3/1880, nº 8 – de 10/4/1880, nº 10 – de 8/5/1880.

Caissana Brasileira – obra enxadrística publicada em 1898 por Artur Napoleão.
Na introdução, esclarece o autor:
"Em 1880 organizei um pequeno torneio em minha casa, em que tomaram parte os seguintes amadores, além de minha própria pessoa: Dr. Caldas Vianna, C. Pradez, Dr. Machado de Assis, Joaquim Navarro e Dr. J. Palhares."

(fls. III)
"Assim como Alfred de Musset, também o nosso Machado de Assis compôs um bonito 2 lances" – Trata-se de um problema de xadrez da autoria de Machado – que figura a fls. 11, sob o nº 17, na obra publicada por Artur Napoleão. É o mesmo que já havia sido apresentado pela Ilustração Brasileira, em seu número de 15/6 /1877."

(fl. IX)


II

REFERÊNCIAS AO JOGO DE XADREZ NA OBRA DE MACHADO DE ASSIS

1864
Questão de vaidade. Conto, in Histórias Românticas. Ed. Jackson, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 30 – "Era, com efeito, um grande jogador de xadrez o tio Silvério. Por desgraça, Eduardo não o era menos, de modo que mal se anunciou a visita deste, correu Silvério para a porta com os braços abertos."
Pg. 33 – "E contudo este moço joga bem o xadrez!
A palavra "xadrez" fez estremecer Eduardo. Era o sinal de um perigo iminente. Todavia, como fino cavalheiro que era, ofereceu o braço à Sara, e seguiu acompanhado de todos para a mesa do jantar."
Pg. 35 – "Eduardo viu-se obrigado a aceitar a partida de xadrez. Para a filha de Almeida era isto uma grande felicidade."
Pg. 36 – "Quando Eduardo declarou aceitar a partida de xadrez a moça sentiu que o coração lhe palpitava com mais força. Ela própria foi dispor o necessário para o jogo, não sem levantar muitas vezes os olhos para Eduardo, cujo olhar, pregado nela, exercia uma fascinação."
Pg. 36 – "O jogo deu-se por terminado à meia-noite. Apenas tinham jogado duas partidas, em que Silvério ganhou sempre. Isto por que ele não estava apaixonado, e Eduardo, se não o estava, acreditava estar."
Pg. 50 – "Mandou entrar e daí a pouco o valente jogador de xadrez aparecia à porta, com ar risonho e gesto afetuoso."

1866
ASTÚCIAS DE MARIDO. Conto, in Contos Recolhidos, publicados por R. Magalhães Júnior, Rio de Janeiro, 1956.
Pg. 138 – "O pai de Clarinha era doido pelo xadrez e não via salvação fora do partido conservador; Valentim fustigava os liberais e acompanhava o velho na estratégia do rei e dos elefantes."
Pg. 139 – "Deste modo, concordando em tudo, nas opiniões como nas paixões, – apesar das pesadas obrigações de jogar o xadrez e ouvir a velha e as histórias do outro tempo, – Valentim conseguiu na casa de Clarinha uma posição proeminente."

1867
HISTÓRIA DE UMA LÁGRIMA. Conto, in Contos sem Data – publicados por R. Magalhães Júnior. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1956.
Pg. 90 – "O major jogava o xadrez com Valadares; o poeta recitava versos; Elisa enchia tudo com a sua graça e as suas palavras."

1872
RUI DE LEÃO. Conto, in Contos Recolhidos – publicados por R. Magalhães Júnior. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1956.
Pg. 103 – "Depois de estudar tudo e tudo ver; depois de passear pelas várias partes do mundo, sem encontrar novidade que lhe divertisse o ânimo; depois de ser assíduo espectador de tudo quanto pudesse despertar a curiosidade de um homem enfadado como, por exemplo, o homem de botas de cortiça, o boneco jogador de xadrez e outros, determinou Rui de Leão voltar ao Brasil nos princípios deste século, ali pelos anos de mil oitocentos e tantos, estando ainda cá o rei."

QUAL DOS DOIS. Conto, in Histórias Românticas. Ed. Jackson, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 295 – "Cálculos inúteis, dirá o leitor de boa fé, os desta moça provinciana, que fazia do amor um jogo de xadrez."


1875
ANTES QUE CASES. Conto, in Contos Esparsos – publicados por R. Magalhães Júnior. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1956.
Pg. 104 – "A vida não é um jogo de xadrez."

QUEM BOA CAMA FAZ. Conto, in Contos Esparsos – publicados por R. Magalhães Júnior, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1956.
Pg. 189 – "Ernesto tornou-se uma necessidade da casa. Ele sabia jogar todos os jogos, desde o xadrez até as prendas; discutia sobre literatura, andava em dia com as modas, recitava ao piano, conhecia receitas de doces; era uma enciclopédia doméstica e viva."

1877
CRÔNICAS. In Ilustração Brasileira, de 1/6/1877. Ed. Jackson, vol. III, Rio de Janeiro, 1938.
Pgs. 227-228 – "Não a via; mas vi o general no dia seguinte, no sarau do Clube Politécnico, que esteve animado e concorrido como poucos. Valsou-se muito, conversou-se, comeram-se bolinhos... enquanto no andar de cima o Grêmio de Xadrez, instituição recente, celebrava a sua reunião das sextas-feiras.
Que barulho em baixo! E que silêncio em cima! Em cima os adversários, dois a dois, davam e recebiam pancada, certamente e até sorrindo, mas sempre silenciosos.
Conta-se que no Café da Regência, em Paris, onde se joga o xadrez, dois adversários tinham encetado uma partida, quando entrou um freguês às 9 horas e meia e falou a um dos jogadores:
– Como tens passado, Janjão?
O jogador não lhe respondeu; mas, à meia noite, acabada a partida, ergueu a cabeça e disse placidamente:
– Assim, assim. E tu?
O outro estava, desde as onze, entre os lençóis."

1878
CRÔNICAS. In NOTAS SEMANAIS, O Cruzeiro, de 4/8/1878. Ed. Jackson, vol. V, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 113 – "Há ânimos generosos que presumem sermos chegados a um tempo em que a política é obra científica e nada mais, eliminando assim as paixões e os interesses, como quem exclui dois peões do tabuleiro do xadrez."

Iaiá Garcia. Romance. Ed. Jackson, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 137 – "Tentou ensinar-lhe o xadrez, mas desanimou no fim de cinco lições.
Ah! mas nem todos têm o seu talento! exclamou triunfante o pai de Estela.
Luiz Garcia jogava o xadrez. Era o recreio usual entre ele e Jorge; outras vezes saíam a passeio até curta

distância."
Pg. 188 – "No fundo do jardim estava Luiz Garcia, com o tabuleiro do xadrez: acabava de dar uma lição à filha, que lha pedira desde antes do jantar. Iaiá levou até lá o filho de Valéria. Pela primeira vez sentou-se ao pé dos dois para vê-los jogar; fincou os cotovelos na mesa e encostou o queixo nas mãos; queria aprender, dizia ela, em três semanas.
– Três semanas! repetiu o pai a sorrir e a olhar para Jorge.
Das qualidades necessárias ao xadrez, Iaiá possuía as duas essenciais: vista pronta e paciência beneditina, qualidades preciosas na vida, que também é um xadrez, com seus problemas e partidas, umas ganhas, outras perdidas, outras nulas."
Pg. 197 – "Iaiá preparou o xadrez, no gabinete contíguo à sala; Jorge sentou-se pacientemente diante da adversária, retificou a posição de duas peças, excluiu as que lhe dava de partido e adiantou o primeiro peão."
"Iaiá baixou os olhos ao tabuleiro, cavalgou a torre com o bispo, como distraída, e em voz ainda mais baixa do que lhe falara, perguntou..."
Pg. 198 – "Inclinou-se sobre o tabuleiro e começou a mover as peças, sozinho, sem plano, maquinalmente."
Pg. 199 – "Vieram luzes; começaram a jogar. Entre eles o xadrez não podia oferecer interesse, mas dado que pudesse, não seria naquela ocasião. Um e outro estavam distraídos e preocupados. A primeira partida foi concluída, em pouco tempo, quase sem cálculo."
Pg. 201 – "A segunda partida foi mais animada, mas só por parte de Iaiá. A moça ria às vezes, mas a maior parte do tempo fazia convergir toda a sua atenção para o jogo."
Pg. 202 – "O jogo cessou no momento em que entrou Luiz Garcia.
– Perdi duas partidas, pai, disse a moça; mas por um triz não ganhei a segunda."
Pg. 204 – "Ele pertencia ao pai ou à filha – muitas vezes aos dois. Iaiá atirou-se ao xadrez com um ardor incompreensível, e dizendo-lhe Jorge que era preciso ler alguns tratados, ela pediu-lhe um, e porque ele só os tivesse em inglês, Iaiá pediu que lhe ensinasse inglês.
"Estela assistia algumas vezes às lições do idioma e do jogo – duas coisas que lhe pareciam incompatíveis com o espírito da enteada."

1882
Machado de Assis e Joaquim Nabuco. Correspondência publicada por Graça Aranha. São Paulo, 1923.
Carta de Machado de Assis. Rio de Janeiro, 29 de maio de 1882.
Pg. 105 – "Agradeço muito os oferecimentos que me faz, e noto-os para ocasião oportuna, se a houver. Quanto aos retalhos de jornais, quando os achar merecedores da trasmissão, aceito-os com muito prazer." (A natureza desses "retalhos" está explicada na carta seguinte.)

1883
Machado de Assis e Joaquim Nabuco. Correspondência publicada por Graça Aranha. São Paulo, 1923.
Carta de Machado de Assis. Rio de Janeiro, 14 de abril de 1883.
Pg. 106 – "Antes de falar do livro, agradeço muito as suas lembranças de amizade, que de quando em quando recebo. A última, um retalho de jornal, acerca da partida de xadrez, foi-me mandada à casa pelo Hilário;..."
A CARTOMANTE in Várias Histórias. Ed. Jackson, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 7 – "Liam os mesmos livros, iam juntos a teatros e passeios. Camilo ensinou-lhe as damas e o xadrez e jogavam às noites; ela mal, – Ele, para lhe ser agradável, pouco menos mal."

1892
A Semana. Crônica de 24 de abril de 1892. Ed. Jackson, 1º volume, Rio de Janeiro, 1938.
Pgs. 13 e 14 – "Jogavam xadrez e dormiam no intervalo das jogadas. Despertavam-se um ao outro desta maneira:

"Caro major!" – "Pronto, comendador!"

1893
A Semana. Crônica de 6 de agosto de 1893. Ed. Jackson, 1º volume, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 356 – "Tomava chá no Clube Fluminense, no momento em que ia fazer o mesmo, depois de uma partida de xadrez com o professor Palhares.
Pobre Palhares! Pobre Clube Fluminense!"

1894
A Semana. Crônica de 25 de fevereiro de 1894. Ed. Jackson, 2º volume, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 30 – "Comporia algumas peças novas; diria à bela Miranda que jogasse comigo o xadrez, um jogo delicioso, por Deus! Imagem da anarquia, onde a rainha come o peão, o peão come o bispo, o bispo come o cavalo, o cavalo come a rainha, e todos comem a todos. Graciosa anarquia, tudo isso sem rodas que andem, nem urnas que falem!"

A Semana. Crônica de 19 de agosto de 1894. Ed. Jackson, 2º volume, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 175 – "Maomé, que tinha algumas partes de grande homem, apesar de ser o próprio cão tinhoso, consentiu o uso do xadrez aos seus árabes, e fez muito bem; é um jogo que não admite querelas, e, apesar de ter cavalos, não se dá ao aperfeiçoamento da raça cavalar, como os vários derbys deste mundo."

1895
A Semana. Crônica de 24 de fevereiro de 1895. Ed. Jackson, 2º volume, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 320 – "Vi este Sarmiento, quando ele aqui esteve de passagem para Buenos Aires, uma noite, às dez horas e meia, no antigo Clube Fluminense, onde se hospedava. O Clube era na casa da atual Secretaria da Justiça e do Interior. Sarmiento tomava chá sozinho, na grande sala, porque nesses tempos pré-históricos (1868) tomava-se chá no Clube, entre nove e dez horas."

A Semana. Crônica de 5 de maio de 1895. Ed. Jackson, 2º volume, Rio de Janeiro, 1938.
Pg. 373 – "Uma noite (vá esta velha anedota), estava um amigo meu no Clube Fluminense, jogando o xadrez, entre nove e dez horas. Era um mocinho, com uma ponta de bigode, e outra de constipação. Tinha o plano de acabar a partida, e ir deitar-se."

1896
A Semana. Crônica de 12 de janeiro de 1896. Ed. Jackson, 3º volume, Rio de Janeiro, 1938.
Pgs. 84 e seguintes – "Uma empresa lembrou-se de substituir no Jardim Zoológico o jogo dos animais pelo dos divertimentos. Não foi mal imaginado; cada bilhete de entrada leva a indicação de um jogo lícito, desde o bilhar, que é o primeiro da lista, até o... Aqui vem a causa da minha comoção. Que pensais, vós que não lestes o relatório da polícia, que jogo pensais que é o último, o 25º da lista? É o xadrez. Que vai fazer nessa galeria o grave xadrez? É lícito, não há dúvida, nem há coisa mais lícita que ele; mas o gamão também o é, e não vejo lá o gamão."

"Quis enganar-me. Quis supor que era um aviso aquela palavra posta no fim da pista, como se dissesse: após tantos divertimentos, tudo acaba no xadrez da polícia. Mas certamente a empresa não levaria a paixão do trocadilho até o ponto de espantar os fregueses, conquanto esta paixão seja das mais violentas que podem afligir um homem. Também não creio que fosse ironia pura, um modo de dizer que não há perigo; seria descrer de uma coisa certa."

"Meu bom xadrez, meu querido xadrez, tu que és o jogo dos silenciosos, como te podes dar naquele tumulto de freqüentadores? Quero crer que ninguém te joga, nem será possível fazê-lo. Basta saber que há uma hora certa, às seis da tarde, em que sai de dentro de um tubo de ferro uma bandeira com o nome de um jogo. Como podes correr a ver o nome da bandeira, se tens de defender o teu rei – branco ou preto, – ou atacar o contrário, preto ou branco?"

"Creio, mas o que não creio, é que dois verdadeiros jogadores de xadrez, aplicados ao ataque e à defesa, possam consentir em deixar tão nobre ação para ir ao pau de sebo ou qualquer outra recreação gratuita."

"Tudo pode ser, contanto que me salvem o xadrez. A polícia, ou para não confundir este jogo com o nome vulgar da sua prisão, ou porque efetivamente queira restituir cada um ao seu ofício, mandou que os bilhetes não tragam nenhum nome de divertimento."


CRONOLOGIA ENXADRÍSTICA DE
MACHADO DE ASSIS

1862/1865 – Iniciação no jogo – provavelmente contagiado pelo entusiasmo de seu amigo Artur Napoleão (dos Santos) que disputara uma partida, em Nova York, contra o famoso campeão mundial Paul Charles Morphy. (transcrita na obra de P. A. Sargeant – Morphy’s Games of Chess)

1866/1876 – Partidas avulsas no Clube Fluminense.

1877/1879 – Fundação do Grêmio de Xadrez, no Clube Politécnico (rua da Constituição, 47), onde havia reunião todas as sextas-feiras. Match contra Artur Napoleão, levando partido de um cavalo (CD). Perdeu por 7 a 2.

Grande atividade como solucionador de problemas publicados na imprensa da época. Compõe um problema e um enigma. (Ilustração Brasileira, ambos)

1880 – Participação no 1º Torneio de Xadrez efetuado no Brasil, obtendo a terceira colocação, entre seis disputantes, com 11 pontos. A disputa foi realizada na residência de Artur Napoleão, à Rua Marquês de Abrantes.

1882/1890 – Jogos no Clube Beethoven, na Rua do Catete e, depois, no Cais da Glória, 62, para onde se transferiram os enxadristas e onde se realizaram vários torneios nos quais, contudo, o romancista não tomou parte.

1898 – Última referência às atividades enxadrísticas de Machado de Assis – em vida – com a publicação de seu problema antigo na Caissana Brasileira, de Artur Napoleão.


Herculano Gomes Mathias

Extraído do livro "Rua Cosme Velho, 18 - Relato de Restauro do Mobiliário de Machado de Assis". Com autorização do autor.

Artigo publicado em: www.academia.org.br

5 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom Jean!

Não sabia que Machado de Assis jogava xadrez e também não sabia que o xadrez entrou no Brasil tão tarde.
Quem precisar fazer um trabalho sobre Machado de Assis na escola pode acrescentar este conhecimento.

Valew!

Anônimo disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk...
realmente...

Anônimo disse...

Por coincidência vi este texto hoje acessando o acervo online do Museu Histórico Nacional! O texto inclui ainda fotos de Machado de Assis e Arthur Napoleão e também do clube onde se realizaram as primeiros eventos de xadrez no Brasil.
Este é o único anal do MHN que cita a Caissana Brasileira, o primeiro livro de xadrez publicado no Brasil em 1898!
Abraços e parabéns pelo blog,
Roberto Stelling

Anônimo disse...

Olá pessoal dos Amigos do Xadrez:
Já havia lido alguma coisa do grande Machado de Assi.
Não sabia que o Mestre da Literatura Brasileira, tb. jogasse xadrez.
Parabéns ao blog dos "Amigos do Xadrez?", pela publicação de tão interessante página.
Ruy

Jean Monteiro disse...

Obrigado Ruy! Continue visitando sempre que puder...
abraço