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sexta-feira, 15 de maio de 2009

CRPI usa jogo de xadrez como instrumento pedagógico, de reabilitação e inclusão social

A matéria a seguir foi publicada no jornal A Folha, de São Carlos (SP), no dia 25 de abril de 2009. Apresentamo-na no blogue com grande satisfação porque ela aborda uma iniciativa ainda muito pouco divulgada que pode render benefícios incalculáveis para os envolvidos.
Destacamos ainda que a matéria nos foi disponibilizada por Leandro Pardine, a quem agradecemos imensamente.


Reginaldo Pacheco


Um jogo de origem milenar é o mais novo instrumento utilizado pelo CRPI (Centro de Recuperação da Paralisia Infantil e Cerebral de Guarujá, litoral de São Paulo) como método pedagógico, de reabilitação e inclusão social. ‘Um Xeque-Mate na Deficiência’ é o nome do projeto que a entidade vem colocando em prática desde o início do ano, tendo como base o ensino e a prática do xadrez. Em todo o Brasil, apenas três instituições que atendem crianças e adolescentes com deficiência usam o jogo como parte do atendimento. E o CRPI é uma delas.

Custeado com recursos do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, inicialmente o xadrez seria uma atividade extracurricular na Escola Steffi Leonor Asch, mantida pelo CRPI. Entretanto, os primeiros resultados foram tão significativos que o jogo foi incluído no currículo e sua prática integra as aulas da escola. Hoje, cerca de 75% dos estudantes já realizam seus primeiros movimentos no tabuleiro, surpreendendo a cada dia os responsáveis pela iniciativa.

Professor e ex-enxadrista profissional, José Roberto Soares de Souza é quem capacita os demais profissionais envolvidos no projeto e também ensina o jogo aos alunos. “Tem sido maravilhoso estar ao lado destas crianças na descoberta do que o xadrez pode proporcionar à vida delas e das famílias. É um desafio novo a cada dia, porque temos que buscar meios de adaptar a prática do esporte às características e necessidades deles. Mais do que ensinado, tenho aprendido muito desde que começamos”, explica. O primeiro passo do projeto ‘Um Xeque-Mate na Deficiência’ foi a qualificação dos monitores da escola para que eles atuassem como multiplicadores do xadrez entre os educandos. Os professores também foram iniciados no jogo. E hoje a atividade virou ‘febre’ entre quase todos os que trabalham na instituição. “Mesmo quem atua em departamentos que não estão envolvidos diretamente com o projeto querem aprender. Já estamos até pensando em um campeonato interno”, afirma Souza, sem esconder a satisfação.

Mas o que lhe traz ainda mais alegria é ver o contágio entre os estudantes. “Enxergo neles uma grande capacidade. No próximo semestre, vamos incluir alguns alunos num campeonato estudantil”, projeta o professor enxadrista. E a aposta de Souza é de quem atua nesse esporte há mais de 20 anos, parte significativa dedicada ao ensino. Em seu currículo, a descoberta de jovens talentos que já alcançaram títulos paulistas e nacionais, além de orientar equipes escolares que conquistaram dois títulos pan-americanos.

Entre os alunos do CRPI, Souza destaca o desempenho de Adailton Rodrigues dos Santos. Com sequelas de Paralisia Cerebral, que lhe limitou os movimentos dos braços, o menino usa os dedos dos pés para deslocar as peças pelo tabuleiro. E o principal: a criança aprende com muita rapidez as técnicas do jogo. “É uma lição de vida”, sentencia o professor, que também acredita muito no potencial dos meninos e meninas com deficiência auditiva. “A concentração deles, que já é grande, ficará ainda mais apurada. Isto é importante para a prática do xadrez, mas muito mais para a vida deles nos estudos e futuramente no trabalho”.

A Paralisia Cerebral também traz dificuldades para a fala de Adailton, o que não o impede de estampar no rosto a alegria pela prática do esporte. O sorriso fácil do adolescente de 16 anos confirma o que ele busca expressar com algumas palavras. “Gosto muito de jogar. Já dei xeque-mate no professor”, afirma o são-paulino, que é fã do goleiro Rogério Ceni e também gosta muito de música e dança. Na escola, diz que sua disciplina preferida é a Matemática, gosto que vem aumentando junto com a paixão pelo xadrez.

Outro que afirma estar ficando craque no jogo é Jean Lucas, 13 anos. Perguntado sobre qual peça gosta mais, é taxativo: “O cavalo por causa do movimento em ‘l’. Estou gostando muito de aprender xadrez”, afirma, logo após vencer sua colega de classe Adriele Monte Oliveira, de 11 anos. “Agora, ele ganhou, mas eu já ganhei dele também”, justifica a menina, que é fã da torre, porque ela se movimenta para todo lado. A felicidade das crianças e adolescentes confirma dois benefícios da prática do xadrez: melhora da autoestima e da sociabilidade.

Estas conquistas também estão estampadas nos rostos de Alexander Rezende de Paula, 16 anos, e Maiara Gerônimo, 15 anos. “Sempre tive vontade de aprender xadrez, porque desenvolve a mente”, afirma Alexander, enquanto Maiara destaca a preferência pelo jogo no tabuleiro para quatro pessoas. “É muito bom estar com os amigos”, explica a menina, que diz gostar bastante de Matemática e Língua Portuguesa. “Termino a lição primeiro que eles”, provoca.

Apesar de estar no início, as professoras afirmam já sentir reflexos positivos da prática do xadrez na sala de aula. “O jogo está ajudando-os na organização do raciocínio”, afirma Maria Cristina Berretta dos Santos. Já Maria de Fátima Calaça Pita Pombo destaca o aumento do poder de concentração. “O déficit de atenção é algo que já começa a ser reduzido com a concentração exigida pelo esporte”. O despertar para o trabalho em equipe é mais um benefício. “Apesar de jogar individualmente, as peças formam um conjunto que se ajuda e este senso coletivo eles levam para a vida”, acrescenta Ana Lúcia de Andrade.


Além do tabuleiro


É muito além do tabuleiro que vão os benefícios do jogo, que ajuda no desenvolvimento de mais de 40 habilidades de um ser humano. O deslocamento de suas 32 peças pelas 64 casas permite combinações quase infinitas, fazendo com que a prática do xadrez seja apelidada de ‘ginástica do cérebro’. Estudos científicos confirmam que todas as partes do cérebro humano são ativadas durante uma partida. Melhora da concentração, da leitura, dos cálculos de lógica e da visão espacial são apenas alguns dos benefícios.

Além disso, o xadrez também contribui para o desenvolvimento do senso de organização e planejamento estratégico, favorecendo o trabalho em equipe e melhorando a autoestima. Não à toa, o esporte já vem sendo usado no processo de reabilitação de adolescentes autores de atos infracionais, no tratamento de crianças e jovens com câncer e de pessoas com perda de memória. Outras modalidades esportivas também recorrem ao jogo como forma de melhorar o desempenho em competições.

No CRPI, alunos com severos comprometimentos físicos e cognitivos também estão inclusos no projeto ‘Um Xeque-Mate na Deficiência’. Nesses casos, inicialmente, as peças estão sendo usadas para que eles identifiquem cores e formas. E o resultado tem sido além das expectativas. Gradativamente, de acordo com as potencialidades de cada educando, novos passos serão dados. “O que parece pouco na verdade representa muito no processo de desenvolvimento destas crianças”, afirma Souza.


Família


Na instituição, o xadrez também servirá de instrumento de integração entre alunos, escola e famílias. “Vamos contagiar pais, mães, irmãos. Queremos que o hábito de praticar o esporte não fique só na escola, mas chegue às famílias e à comunidade onde nossos educandos moram. O xadrez, aliado à Educação, é um potente instrumento de transformação social. É isto que buscamos: contribuir para melhorar a qualidade de vida e a conscientização destas pessoas como cidadãs proativas”, arremata a assistente social do CRPI, Liliane Spicacci.

Para isto, a instituição já busca novas parcerias, que viabilizem a compra de mais tabuleiros e jogos de peças. O material disponível hoje é suficiente para a prática do esporte dentro da entidade. A meta é conseguir novos conjuntos para que os estudantes possam levá-los para casa. Assim, terão condições de dedicar mais horas ao estudo do xadrez, bem como levar seus conhecimentos para suas famílias e amigos. Um grande ciclo virtuoso a partir deste jogo milenar, sempre usado como metáfora em estratégias de combate, mas que tem o poder de preparar o corpo, desenvolver a mente e elevar o espírito.

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