Pelas mãos de Deus
Mequinho, o maior enxadrista que o Brasil já teve, volta aos tabuleiros e desafia o campeão brasileiro para provar a existência divina
Gustavo Maia
No dia 20 de março desse ano, o ex-enxadrista Henrique da Costa Mecking, o Mequinho, 48 anos, acordou cedo e preparou-se para ir à igreja. Fervoroso seguidor do catolicismo, na porção carismática, naquela manhã, enquanto fazia suas orações matinais, Mequinho foi acometido por uma espécie de visão. O campeão de xadrez aposentado viu a um metro de distância, frases no ar que o incentivavam a voltar ao tabuleiro: “Aceite o desafio”, dizia uma delas. “A partir daí decidi voltar a jogar”, diz.
Mequinho não perdeu tempo. Aceitou o convite dos dirigentes do Centro Empresarial de São Paulo. Ele retomará suas estratégias no xadrez na segunda-feira 7 de agosto. Estará em São Paulo para um jogo contra o campeão brasileiro Giovanni Vescovi, 22 anos. “Rezo pela manhã e o resto do dia eu treino”, diz ele.
Nos campeonatos de xadrez dos anos 70, Mequinho foi o que Gustavo Kuerten é hoje para o tênis. Quando tinha 25 anos, era o 3º no ranking mundial, mas abriu mão da fama e da carreira. Passou a viver sozinho em uma casa simples, de dois quartos, em Taubaté, a 200 quilômetros de São Paulo. Sem rádio nem televisão, o ídolo da geração dos anos 60 e 70 parou por lá. Por 23 anos, deixou rei, rainha, cavalos e peões de lado. E hoje, leva uma vida pacata. Não sabia, por exemplo, que Cid Moreira tinha deixado a apresentação do Jornal Nacional e que em seu lugar está William Bonner. “Não vejo tevê. Sei das notícias na igreja”, conta.
Mequinho passa o dia rezando entre imagens de Nossa Senhora e uma miniatura luminosa de um crucifixo. Sua casa é mobiliada com caixas, um sofá, uma mesa e duas cadeiras. Nada mais. O enxadrista espalha cobertores no chão para se proteger do frio. A novidade é a presença de um microcomputador, cedido pelo Centro Empresarial. É nele que o campeão mundial treina as jogadas em tabuleiro virtual. “É difícil jogar num tabuleiro em posição vertical”, diz.
Poucos sabem a razão pela qual os brasileiros perderam o campeão por duas décadas. Mequinho ficou doente. Sofre de miastenia, uma doença incurável que ataca os músculos ao ponto de deixá-los sem controle motor. Diante desse quadro, ele se afastou de seu destino profissional que exigia total dedicação. Em 1977, Mequinho passou seus dias numa cama, em seu apartamento no Rio de Janeiro. Cansou de viajar, em vão, para o exterior em busca da cura. Quando retornou ao Brasil, os médicos davam a ele duas semanas de vida. “Foi quando eu conheci a Tia Laura, que tinha o dom da cura”, diz ele, referindo-se à freira Laura, de Lorena, interior de São Paulo, famosa por curar doentes pela fé, nos anos 70.
A partir de 1979, a doença se estabilizou e as grandes crises desapareceram. Três anos mais tarde, ele publicou o livro Como Jesus Salvou a Minha Vida, com os trocados vindos dos campeonatos de xadrez. Sua fé fez com que ele decidisse seguir o sacerdócio. Mergulhou no curso de teologia e filosofia. Pegou o canudo em 1993, época em que passou a peregrinar pelos quatro cantos do País com a Bíblia na mão e o gogó pronto para dar sermões aos fiéis. Em um ano, morou em cidades do Rio Grande do Sul, Pernambuco, Rio e São Paulo. Suas andanças não se limitaram ao território nacional. Conheceu Medjugorje, na Bósnia, local onde os católicos fervorosos vêem Nossa Senhora. “Temos pouco tempo antes da volta de Jesus”, prega Mequinho.
A miastenia está controlada. Para isso, Mequinho não come nada fora de sua dieta balanceada. Segue a medicação homeopática, que, segundo ele, controla os sintomas da grave doença. Para a nova empreitada, diz estar com força total, até porque tem ajuda dos Céus. “Quero jogar tão bem para que percebam que é obra de Deus”, diz ele.
CAMPEÃO AOS 13 A genialidade de Mequinho com o tabuleiro o acompanha desde pequeno. Nascido em Santa Cruz do Sul (RS), ele começou a jogar aos quatro anos. Aos sete, desafiava dez enxadristas adultos ao mesmo tempo. Aos 13 anos era campeão nacional. Pela primeira vez, o brasileiro tinha para quem torcer num esporte dominado pelos russos Anatoly Karpov e Gary Kasparov e pelo americano Bobby Fischer. Em 1972, colecionava dois torneios mundiais e chegou a lotar o Maracanã no campeonato sul-americano.
Agora Mequinho recomeçou a resgatar em cifras parte do que conquistou no passado com o domínio do tabuleiro. Recebeu um cachê em torno de R$ 10 mil por conta do desafio. “Não tenho mais que pedir dinheiro para minha mãe”, diz aliviado. Com o fim das economias, foi esse o artifício que usou para sobreviver nos últimos seis meses. Se vencer, vai embolsar ainda R$ 7 mil. “Isso não importa. O objetivo é muito maior. Quero mostrar que todos podem se salvar”, prega.
“Não vejo tevê. Sei das notícias na igreja”, diz Mequinho, que vive numa casa com um sofá, uma mesa e duas cadeiras e não sabia que Cid Moreira havia saído do Jornal Nacional.
Artigo extraído de: http://www.zaz.com.br
Um comentário:
Exemplo vivo de superação pessoal!
Conseguiu 3º lugar do Rating Fide geral, atrás apenas de Karpov e Korchnoi.
Grande Mequinho!
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